segunda-feira, janeiro 29, 2007

Bolo de Fubá

Recentemente, nas festas de fim de ano, viajei para a Enseada das gaivotas, litoral de São Paulo, com toda minha família.
O lugar é muito bonito, e como era de se esperar, tem um comércio voltado para o clima quente de verão. Visitei uma sorveteria num fim de tarde, onde o sistema era self-service, existiam muitas dessas lá. A variedade de sabores era enorme, assim como, a variedades de coberturas, caldas, frutas e grãos que se podia adicionar ao sorvete. As combinações eram praticamente infinitas, ou bem próximas disso. Como meu estomago fala mais alto nessas situações, não pude me contentar com uma combinação simples, então tentei experimentar a maioria das coberturas, grãos e frutas possíveis de uma única vez. O sorvete ficou bem colorido, vistoso e até mesmo apetitoso. Mas quando fui provar percebi que tinha criado uma sobremesa hiperdoce, que tinha um pouquinho do sabor de tudo, mas que na verdade não se parecia com nada, muito menos com sorvete... A mistura de diversos elementos que fiz, não me permitia saborear o sorvete que existia debaixo de tudo aquilo. Paguei caro, e infelizmente, não aproveitei nada.
Minha avó, não sabia ler e escrever, sempre foi muito simples, mas era uma cozinheira de mão cheia, passei parte de minha infância e adolescência com ela, e de longe o que eu mais gostava de experimentar era o seu bolo de fubá. Ela decorava a receita, como se fazia antigamente, medindo em xícaras e colheres, tinha até uma xícara específica, vermelha, para fazer as medidas. Simples, rápido e fácil, mas muito melhor do que qualquer bolo que eu tenha provado em qualquer doceria durante minha vida.
Pensando nisso, e graças a uma metáfora que o Carlos fez numa reunião do Caminho da Graça aqui em Campinas, que passei a ver como na ânsia de "melhorar" o que por si só já é bom, é que nós perdemos a noção do sabor que a simplicidade possui.
Não consigo mais olhar para o que hoje se chama "Igreja Evangélica Brasileira", salvo raras excessões, e não ver um bolo todo enfeitado e cheio de glacê, para se tornar mais atraente para o "público".
Virou, literalmente, moda colocar confeite nos ajuntamentos ditos "cristãos" hoje e dia. Poucos buscam a simplicidade do Galileu que anunciava nos montes, nas praias e nos jardins a mensagem do perdão, do amor, da reconciliação e da ressurreição. Um homem que só pregava nos locais "oficiais" da religião, até que fosse expulso, pois não estava interessado na mediocridade daqueles que se julgavam "gestores" das intenções de Deus na Terra, e que não negociava, nem fazia média com ninguém, mas buscava através de comparações simples, mostrar o princípio mais profundo do Reino de Deus, a comunhão e o amor a Deus, que só se manifesta no amor ao meu irmão.
E o bolo era assim, sem "glacê" de lugar santo, sem "confete" de justiça própria ou "granulado" de controle de almas humanas.
Continha os elementos necessários para o crescimento, "dois ou três, em meu nome" disse Jesus, e o fermento de amor os fazia expandir mais e mais. Ora ninguém escolhe um bolo pela forma que tomou, devido a fôrma na qual foi posto. Um bolo não se mede, pelo fato de ser redondo, retangular, ser em forma de anel, como um pudim, ou em diversos andares. É fato que isso impressiona a princípio, mas se a massa não for boa, nem mesmo um bolo de casamento fica bom.
Logo um bolo cresce e toma a forma da fôrma que o continha, mas em se tratando de bolo, no caso de fubá, ele sempre será de fubá não importa a forma que tiver, o princípio é o mesmo.
No entanto, se buscamos a forma em detrimento do princípio, sempre vamos tentar enfeitar mais aqui, melhorar um pouco ali, de modo que nunca vai sobrar tempo para trabalharmos a massa, porque na verdade acreditaremos que o que todo mundo quer mesmo, é passar o dedo na cobertura.
A cobertura é doce, pode até agradar no princípio, mas não tem consistência e com o tempo enjoa e adoece. A taxa de açucar sobe, e podemos ser acometidos de uma "diabete espiritual", se é que posso usar esse termo.
Logo, já está mais que na hora de tirarmos todo o glacê e começarmos a provar a massa. Já está na hora de abandonarmos a sacralidade do Templo-Igreja-Sinagoga e passarmos a encontrar a comunidade-ajuntamento-eclésia de Deus, a qual possui um único lugar sagrado, que é o altar erguido no coração humano.
É hora de abandonarmos nossas justiças próprias e nossos supostos direitos de julgamento sobre a alma do próximo, e nos entregarmos ao amor de Jesus, que nos ensina que a misericórdia é o único parâmetro de julgamento de seus discípulos, posto que além disso, todo ser humano há de cometer injustiça em algum momento, pois só Deus conhece o que se passa no coração de cada um.
Portanto misture pessoas, misericórdia, Palavra Viva de Deus, longanimidade e adoração. Tudo verdadeiramente, em nome de Jesus. Escolha sua forma e deixe que o Amor Infinito de Deus aqueça os corações, fazendo com que a massa cresça e se expanda.
Minha querida vózinha se foi, não sabia ler nem escrever, não podia deixar um registro escrito da receita de seu bolo, que havia aprendido da boca de sua mãe. Meus tios, tias e mãe, são de uma outra época, não tiveram paciência para aprender a guardar no coração e na mente uma receita tão boa. E eu, se na época tivesse a mentalidade de hoje, deveria ter me preocupado em aprender, ao invés de apenas saborear. Com certeza não teria o pesar de nunca poder mostrar para meus filhos o sabor daquele bolo.
Jesus também não deixou estatuto, dogmas ou bulas, mas ele deixou algo que não pode ser mensurado em plenitude de forma escrita ou estatística, como muitos fazem, até mesmo esse texto.
O sabor só é conhecido quando provado.
Não deixe a receita se perder.