domingo, fevereiro 18, 2007

Ira

O texto que se segue é de autoria do pastor Ricardo Gondim
Aproveitem

Sou pastor de uma comunidade cristã em São Paulo; lidero uma rede de igrejas espalhadas pelo Brasil, somando entre 20 e 25 mil pessoas; conduzo um programa de rádio diário também em São Paulo; escrevo para duas revistas de circulação nacional e, porque mantenho um site na internet, sinto-me membro da novíssima comunidade dos blogueiros.

Apesar disso, minha capacidade transformadora é pífia. Minha voz, semelhante a de milhões de brasileiros, não representa quase nada; não sou conhecido das elites, nunca estive na presença de um presidente da república e jamais usei um passaporte diplomático.

Partilho do sentimento de impotência que toma conta dos meus irmãos. Sinto-me frustrado, revoltado, irado, indignado, sei lá que expressão usar, com tudo o que ocorre na minha terra.

Assisti a eleição dos novos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado com uma vontade louca de comprar um megafone, ir para Brasília, e ficar gritando palavrões em plena praça pública. Tive impulso de chamar aqueles políticos arrumadinhos, empertigados dentro de seus ternos novíssimos, posando, feito jacus, para fotografias, com as palavras mais chulas da gíria portuguesa .

Entendo que o jogo político é necessário; sei que disputas de poder acontecem em todas as instituições; compreendo que “ruim com os deputados, pior sem eles”.

Ninguém precisa me dar aula de democracia (sou filho de um preso político na ditadura e sei o horror dos tiranos), mas, mesmo reconhecendo a necessidade das instituições, fiquei vermelho de raiva com a inauguração do novo Congresso.

Vejo meu país sangrando e os mesmos chavões sendo repetidos. Sinto que vivemos em meio a um desdém aviltante.

Ninguém mais se lembra da aluna de uma universidade do Rio de Janeiro, vítima de uma bala perdida, e que ficou tetraplégica; ninguém mais se lembra daquele senhor que chorava enquanto desenterravam seu filho de debaixo da cama de um soldado da Polícia Militar; ninguém mais se lembra da fotografia de uma adolescente se prostituindo, sentada no colo de um velho nojento do Amazonas; ninguém mais se lembra das mães que enterraram seus filhos, mortos por falta de asseio numa Unidade de Tratamento Intensivo de um hospital público.

Dois dias depois das tragédias, chegam outros sinistros mais pavorosos e vamos nos acostumando; de horror em horror chegaremos no inferno preparado pelos próprios brasileiros.

Querem saber? Chega...

Para mim chega, já que os evangélicos degringolaram e hoje a grande maioria dos freqüentadores dos cultos é composta de pessoas infantilizadas pela religião; noto que o movimento do qual já fiz parte não se importa com a justiça nacional, não chora com os que choram e não defende o direito dos mais frágeis. Eles se reúnem em seus auditórios com uma única preocupação: acessar o divino, para se safarem.

Para mim chega, já que vejo a elite burguesa se locupletando há séculos, sem que ninguém consiga fazê-la mudar. Ela é preguiçosa, mesquinha, egoísta e insensível à miséria que vive do outro do lado do muro de seus condomínios. A elite brasileira se preocupa prioritariamente em blindar seus carros, freqüentar desfiles de moda breguíssimos em shoppings centers, freqüentar os mesmos cabeleireiros badalados e caros das modelos analfabetas, sair, feito “papagaio de pirata”, nas páginas das revistas de fofoca e comprar roupas em Miami. Ela não está nem aí para a miséria que cresce sem parar.

Para mim chega, já que os intelectuais nacionais atolaram na irrelevância de seu esnobismo; trancaram-se em suas torres de marfim, com textos herméticos e propostas mirabolantes e inúteis dos teóricos de direita ou de esquerda.

Imóvel e impotente, tenho vontade de chutar o mastro central desse grande circo de lona rasgada, chamado Brasil.

Não passamos de um povinho sem sangue nos olhos, uma nação sem brios.

Faltam poucos dias para o país parar de novo para ver as escolas de samba, patrocinadas pelo tráfico, desfilarem a nudez das mulheres mais deslumbrantes que nossa raça produziu.

Os poucos gringos com uma libido maior que o medo de morrer, vão babar. E nós, sentaremos em nossas poltronas por quatro dias, embriagados de cerveja e sexo esqueceremos que já perdemos nossa alma.

Morreu um menino e estou com asco dos brasileiros que elegeram o Clodovil, o Maluf, o Genoíno, o Palocci, o Collor, o Sarney e toda aquela farsa chamada de Congresso Nacional. Sinto náuseas e o meu inferno são os próprios brasileiros.

Morreu um menino e não posso dormir sem antes dizer que, se pudesse, diria aos meus patrícios que a nossa perversidade está transbordando a medida da ira divina.

Morreu um menino, mas o pior ainda está por vir.

Morrerão muitos outros e continuarão as mesas redondas de idiotas discutindo as fofocas do futebol.

Morrerão muitos outros e a Daslu continuará vendendo calças jeans de 2 mil dólares.

Morrerão muitos outros e alguns poucos continuarão tomando vinho de 7 mil dólares em banquetes faustosos.

Morrerão muitos outros e os pastores continuarão prometendo abrir portas de emprego para quem der dinheiro em seus cultos.

Cansei do deboche e não sei o que fazer. Estou revoltado com o cinismo e não sei para onde me voltar.

Antes que esqueça: o nome do menino era João Hélio e seus pais ainda estão chorando muito...

Soli Deo Gloria

Uniões contaminadas

O texto abaixo foi retirado do Site do Caio
Achei muito interessante e pertinente.
Aproveitem

Vitor



Tem gente que pensa que gente se entrega a outra gente e nada acontece. Tem gente que se dá a outra gente sem saber que a gente é feita de gente. Tem gente que se ilude com a idéia de que gente não transfere gente para outra gente. Tem gente que não entende que gente é contagiada quando se faz ‘um’ com outra gente. Tem gente que pensa que é brincadeira quando Deus diz pra gente não misturar o espírito com o espírito de certas gentes.

Sim, gente passa gente pra gente!

“Serão os dois uma só carne...”

“Faz-se um com ela...”

“Grande é este mistério...”

Paulo disse que na união conjugal tais ‘misturas’ atingem seu clímax para o bem, mas também pode ser para o mal.

Ele diz: “...dela cuida como de sua própria carne...”

E mais: “... posto que já não são dois, porém um...”

E em outro lugar: “... a mulher crente, santifica o marido incrédulo... de outra sorte seriam impuros...”


Eu creio em vampiros psicológicos, em seres que comem você por dentro, em relacionamentos que são como o ‘bicho da goiaba”, o amazonense “tapurú”.

Ninguém se une a ninguém sem contágio, para o bem ou para o mal.

Uniões têm o poder de mudar interiores, alterar almas, atingir o espírito.

Se alguém sai de casa e contrata uma prostituta, e faz isso uma vez, corre o risco de contaminar-se fisicamente, e, pode desenvolver um vício para a alma.

Mas se alguém sai de casa sempre para se prostituir, essa pessoa, mesmo que mude de prostituta todas as vezes, será contaminada, não necessariamente no corpo, e não necessariamente pelo espírito de uma delas, mas com certeza o será pelo “espírito de prostituição”, que não é algo muito forte na prostituta—que não se entrega por prazer—, mas o é na alma do freguês, visto que ele sim, procura ‘algo’ com avidez física e psicológica.

Amizades longas com pessoas ruins podem acabar com a gente. Mas amizades curtas e breves também têm o poder de contaminar, e desviar um ser humano de seu caminho.

Nada, porém, é mais profundo no seu poder de contágio do que uma união conjugal.

Nesse caso, se as pessoas são de espírito bom, mesmo que não se amem, provavelmente não se façam mal.

Mas se ambas ou apenas uma delas for de ‘outro espírito’, então, é muito difícil que o parceiro não seja contaminado na alma.

Por esta razão nada há melhor do que a união de duas pessoas do mesmo bom espírito, especialmente se tiverem a ventura de se encontrar bem cedo na vida, e se manterem em união por toda a vida.

Tais pessoas são as mais leves, livres, felizes, e simples!

Há quem queira muita ‘variedade’...

Meu Deus, que ilusão!

Mal sabem que a tal ‘variedade’ vai deixando gambiarras penduradas pela gente, como fios desencapados e ‘em curto’.

Se pudéssemos ver espiritualmente tais pessoas, as veríamos como troncos cheios de cabeças, braços, olhos, e pernas.

Sim, completamente monstrificadas...

Simbiotizadas de tantas formas e de tantas maneiras, que elas mesmas assustar-se-iam se pudessem se enxergar.

Mas não é preciso enxergar para ver. Basta que se olhe para dentro do coração, para as legiões de seres..., para sentimentos que cada vez mais se complexificam na alma, para mentes cada vez mais compartilhadas pelos entes psicológicos que foram sendo agregados no caminho.

Por isso o homem de coração simples é bem mais feliz do que aquele que sofisticadamente se auto-designa de complexo.

Quando a sabedoria ordena ao jovem que guarde puro o seu coração, que simplifique os seus caminhos, e que seja focado em seus sentimentos, ela quer apenas dizer o que acabei de expor.

Sim, não é nada moral, como se pensa. Mas sim é algo que tem a ver com a saúde do ser, com a paz para viver, com a unicidade existencial, com a pureza psicológica.

Hoje, porém, é moda ser infeliz, complexo, sensível (significando ‘sofrido’), indecifrável, misturado, multiuso..., de tal modo que essa pessoa tem que ter ‘seu próprio analista’.

Toda gente é uma ‘mistura’ de todas as gentes que passaram pelo coração, para o bem e para o mal.

Nessa viagem da formação do ser há aquelas pessoas que são inevitáveis para nós, como os pais e os irmãos—nossos primeiros e involuntários casamentos na existência.

Ora, muitos são os estragos que essa ‘mistura’ pode causar quando mal discernida.

As piores misturas, todavia, são aquelas que escolhemos—consciente ou inconscientemente—para viver e fazer parte da gente pela via da união.

Uniões são coisa muito séria...

Sim, elas podem nos erguer ou nos afundar; podem nos abençoar ou nos amaldiçoar; podem nos trazer paz ou podem nos trazer angustias; podem nos salvar ou nos destruir.

Por isso, se você está só, ou vindo de algo que como ‘união’ fez mal a você, não tenha pressa. Abrace sua solidão com respeito e dignidade, e agradeça a Deus o livramento. E não sucumba à tirania de se fazer acompanhar. Afinal, veja bem quem vai lhe ‘acompanhar’.

Mas se você está lendo isso e pensando: “E agora? Depois de tanto ‘experimento’, ainda haverá esperança para mim?”

Eu lhe digo:

Sempre há esperança. O Espírito Santo é real. O amor de Deus limpa e cura. Mas o homem haverá de ser curado enquanto discerne cada pedaço de outros que foram largados no baú de sua alma. E terá que ter a coragem de discerni-los e jogá-los para fora de si mesmo.

Ora, tal cura implica em discernir ‘qual carne e qual sangue’ fazem parte de nossa ‘comunhão’ existencial e espiritual. E obviamente isto só tem a ver com quem permitimos entrar e ter algum pedaço de nós, especialmente em uniões.

Tal exercício de discernimento é doloroso, porém libertador.

E se você discernir tais espíritos na presente constituição de sua alma, mande-os sair... pois eles sairão.

Depois disso, todavia, encha a sua ‘casa’ do que é bom, e não a deixe vazia, posto que essas coisas se vão... mas de vez em quando voltam a fim de ver como anda o lugar antes ocupado, conforme nos ensinou Jesus, tanto sobre espíritos demônios, quanto também acerca de qualquer espírito, inclusive os espíritos dos humanos que já nos possuíram ou tentaram faze-lo.

Esses ‘entes’, todavia, cansam de voltar. E é assim que se vai alcançando paz mais e mais...

Ora, é por tudo isso que lhe peço:

Veja bem com quem você está se unindo.

E mais:

Veja bem que espíritos você contraiu durante vínculos adoecidos.

E, assim, trazendo todas as coisas para a luz, deixe que a verdade expurgue de seu ser aquilo que não é você.

E não esqueça:

É na Luz e na Comunhão verdadeira que o Sangue de Jesus nos purifica de todo pecado.


“Pois se andarmos na luz, como Ele na luz está; mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus Seu filho, nos purifica de todo pecado”.


Nele,



Caio

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Minha Fortaleza

Eu caminhei durante anos no deserto de minha vida, carregando comigo as poucas coisas realmente importantes, que tinham algum significado para mim. Coisas que marcaram minha vida, e que de modo nenhum eu abandonaria. A estrada tinha sido longa, cansativa, mas no fundo recompensadora. Já havia passado por tantas tormentas, me fortificado tanto, que um dia, enquanto parava numa fonte de águas para matar a minha sede, olhei meu próprio reflexo na àgua, me reconhecia, mas estava tão diferente. Mais velho robusto, com um tom de serenidade no rosto que parecia inabalável, mas que no fundo carregava uma aura de medo no futuro. Os olhos estavam mais cansados, porém mais profundos. Escondiam algumas tristezas, mas muitas alegrias durante a caminhada.
Cavalguei durante muito tempo no deserto, procurando um lugar para me fixar, cansado dessa vida nômade, vivendo de alegria em alegria, de tristeza em tristeza, mas sempre combatendo um combate solítário, amparado apenas pelos meus tesouros pessoais, os quais carreguei por toda a minha vida, e por minha fé, que tinha me guiado nos momentos de escuridão, e me mostrado a saída das Tempestades, o Criador o sabe.
Mas a caminhada já se fazia longa, e eu não mais queria encontrar as tormentas do caminho, queria encontrar um abrigo onde podia morar em paz, e cultivar meus tesouros com serenidade e sabedoria, onde eu pudesse encontrar o melhor que há em mim.
Foi quando eu avistei a primeira morada, no horizonte além das dunas, podia se ver o despontar de suas torres no vento do deserto. Meus olhos se fixaram no horizonte e eu exitei por um instante, era um caminho diferente do que eu costumava a seguir, não conhecia essa nova direção, mas meu atual caminho se perdia ao longe sem me mostrar nenhuma esperança de encontrar uma morada, enquanto esse, mesmo que desconhecido, poderia me levar e encontrar o local de origem das torres que se despontavam no horizonte.
Quão difícil foi a decisão daquele dia. Durante alguns instantes fiz uma oração ao Criador, pedindo sua proteção para essa nova jornada, subi em meu cavalo e caminhei para meu novo destino. Meu antigo caminho se perdia atrás de mim, até que finalmente não pude mais observá-lo. Agora, só me restava prosseguir para encontrar a morada.
Aqueles foram dias de ansiedade, a cada dia as torres iam se definindo no horizonte, e onde havia areia, começou a aparecer a vegetação, plantas pequenas iam surgindo pelo caminho, preenchendo espaços entre uma duna e outra, até que as dunas começaram a ficar menos frequentes, dando espaço para uma vegetação rasteria cada vez mais presente. No horizonte a construção a qual pertenciam as torres se definia. Era como um Castelo enorme, rodeado por uma extensa muralha, quatro torres maiores se posicionavam nas quatro direçôes cardinais. A muralha era de um branco acinzentado muito marcante, que adquiria um contraste profundo com o verde fosco da vegetação ao seu redor. Não avistei ninguém a princípio, mas ainda estava a uma certa distância do Castelo.
Aumentei a intensidade de minha marcha, o Sol logo iria se por e eu não queria estar longe dos portões em terras desconhecidas.
Quando cheguei ao pé da muralha, não havia guardas nas torres, nem portão que proibísse a entrada pelo arco principal, também não existia fosso ou algo parecido, para dificultar o acesso a muralha ou ao arco de entrada. Foi quando eu percebi que da base do muros saiam pequenos canais que se estendiam por linha reta vários metros a frente invadindo o campo de vegetação em torno do Castelo, dos canais saia uma àgua limpa, cristalina como eu nunca havia visto antes parei o cavalo ao lado de um dos canais desci e mergulhei minha mão do pequeno riacho que corria por ele. A água não era nem quente nem tão fria, mas era resfrescante, enchi a palma de minha mão e levei um pouco até minha boca. Não tinha gosto, mas ao prová-la percebi uma suavidade e vitalidade doces entrarem em minha alma. Percebi que provavelmente todo o terreno verde ao redor do Castelo era irrigado por esse canais, isso explicava porque numa terra tão árida onde as chuvas são tão escassas poderia haver tanta vida. A água vinha de dentro do Castelo.
Me apressei para chegar ao arco de entrada, era todo esculpido de modo tão belo, mas também tão simples, que eu poderia ficar olhando por horas a fio, ao cruzar o arco pude ver uma das coisas mais belas que eu jamais vi em minha vida. A muralha simples e as quatro torres escondiam dentro de si um jardim ornamentado com uma diversidade de árvores e plantas incríveis, havia pequenas construções que se mesclavam com as árvores a ponto de não se perceber o que era construção e o que era árvore. As árvores eram brancas acinzentadas como os muros e as contruções, de modo que tudo parecia feito do mesmo material, tudo parecia carregar vida dentro de si.
O jardim era circular como a muralha, começava na base do muro e se estendia até chegar ao centro do pátio não havia uma contrução que não fizesse parte do jardim e não havia nenhuma parte do jardim, que em si mesmo não fosse ornamento de uma construção. Tudo tão harmonico e perfeito.
Chegava a ser ímpossível definir se tudo era jardim ou uma pequena cidadela. Na verdade era um misto de ambos. Pequenos caminhos, pavimentados com o mesmo tipo de material se estendia pelo meio do jardim, servindo de passagem para as diversas partes do castelo, creio eu.
Caminhei por algum tempo pelos caminhos, até encontrar o centro do pátio e consequentemente o centro do jardim. Lá onde tudo parecia se originar, e para onde tudo apontava, havia uma fonte. Esculpida a partir de uma parte que parecia brotar do próprio chão, a fonte era de uma arquitetura simples, mas singelamente bela. De uma beleza encantadora, e dela brotava a àgua que irrigava os canais, que se originavam na fonte, corriam e atravessavam o pátio e iam desembocar no terreno fora das muralhas.
A fonte trazia vida a tudo que existia no castelo, e fora dele, não havia uma árvore ou planta do jardim que não fosse irrigada pelas águas cristalinas da fonte.
Em torno da fonte haviam flores, muitas flores, de diversos tipos e cores, que eu não conhecia. Todas elas exalavam um perfume suave mas marcante e pintavam com suas cores uma alegria sem igual em torno da fonte, como se quisessem marcar o ponto inicial e final de toda a vida ao redor.
Me ajoelhei e beijei o chão onde pisava, agradeci ao Criador por ter encontrado um lar, uma fortaleza para me refugiar.
Aqueles foram dias felizes, de manhãs de Sol, cuja luz refletia no branco de tudo e iluminava tudo ao redor, eu sentia o calor que emanava de tudo quanto existia no jardim, pois tudo quanto existia pulsava de vida e me contaminava de uma forma que eu acreditei ser irreversível. Coloquei meus tesouros ao lado da fonte de forma que eu pudesse olhar todos os dias e perceber que o Criador me abençoou com tudo o que eu havia encontrado, e que toda minha vida tinha me levado até ali. Eu ouvia a vida que corria pelo jardim, pequenos animais que alí existiam, os frutos das árvores dos quais eu me alimentava, a brisa no final da tarde que me aliviava a alma, e o amigos que ali recebi e as vezes que à eles falei de minha alegria por ali estar, e por tudo que eu havia ganho. Eu não amava só aquele lugar, mas tudo o que aquele lugar havia me trazido de bom.
E a noite quando o Sol caía e a lua despontava no céu, o vento batia nas folhas das árvores e produzia uma melodia tão doce e nostálgica que os pássaros de seus ninhos cantavam junto com as árvores uma canção sem nenhuma palavra, mas que me dizia tanto sobre mim mesmo de uma forma tão profunda, e eu adormecia nesse sentimento. Não era só eu que estava naquele lugar, o lugar também já estava em mim.
Até que um dia, o qual jamais esquecerei, enquanto durante o primeiros raios de Sol eu caminhava pelo jardim, encontrei nos fundos do Castelo, um caminho que eu não conhecia, que eu nunca tinha visto ou trilhado, e que se perdia na imensidão a frente.
Fiz esse caminho que havia me levado até uma escada, que descia nas profundezas abaixo.
Pela primeira vez encontrei algo que não era harmonioso com todo o resto. A escada escavada no chão, era de um outro tipo de minério, diferente da muralha e das construções. Era escura e fria, trazia dentro de si uma tristeza inpronuciável. A medida que eu descia sentia frio, muito frio, e a luz ia ficando para trás, e havia um medo crescente que emanava das profundezas para onde a escada me levava.
Parei na metade do caminho, e voltei, com medo de ver o que havia no fim da escada.
Mas o dias nunca mais foram os mesmos. Mesmo com o calor de tudo que emanava, mesmo com a vida ao meu redor, e com as melodias da noite, eu ainda pensava na escada e para onde ela conduzia.
De modo que um dia, eu retornei, e desci até o fim.
Havia uma atmosfera densa e pesada no fim da escada. olhei para cima e a luz do dia mal conseguia ser vista, portanto mal iluminava o que existia a minha frente. Quando terminei de descer, parei em frente a uma porta de madeira maciça. Parecia feita com o tronco das árvores, mas não era branca nem pulsava de vida. Era mais escura, e pulsava com um frio que me gelou a mão.
Era um porão, acredito eu, mas a porta era tão espessa, que quem quer que o tenha feito, o fez para permanecer lacrado.
Havia alguma coisa escrita na fechadura, mas já era tão antiga que não pude ler. Hoje percebo que talvez fosse uma advertência. Advertência que eu infelizmente não levei a sério.
Segurei no metal frio da fechadura, e o puxei com toda a força que eu tinha, aos poucos a porta foi se movendo até abrir.
Nesse momento senti uma rajada de ar frio, que veio de dentro do porão, um ar de certo modo, ancestral, que havia sido aprisionado ali há muito tempo, seco.
Não senti nada maligno, mas havia uma atmosfera de tristeza profunda que me invadiu a alma e pela primeira vez desde que havia chegado eu chorei.
Subi as escadas como uma sensação de vazio por dentro, que aos poucos me dominou.
O dias que se seguiram foram tristes e funebres. Percebi que aos poucos a água, a vida da fonte, começou a secar, e eu via desesperado, toda vida que me cercava ir embora. De algum modo, que eu ainda hoje não sei, o porão fez a fonte secar.
As folhas das árvores cairam aos poucos, não havia mais musica a noite, e eu já não dormia. O pássaros se foram os animais também. Tudo que era de um branco acinzentado marcante, aos poucos foi escurecendo, como a porta do porão.
A paisagem verde do jardim, que me trazia tanta alegria, começou a definhar como o sentimento que eu tinha, e de verde passou para castanho pálido de folhas secas, até que por fim, não existia mais vegetação, nem castanha nem verde.
A fonte finalmente secou, e o Sol da manhã não era mais refletido, mas absorvido, de forma que sempre existia uma penumbra dentro do Castelo. Nem mais as luzes o visitavam.
As Noites era tão silenciosas, a não ser pelo vento, cortante, que trazia um canto solitário de lamento, pelo que um dia foi, mas que já não existia mais.
E durante muitos dias eu caminhava no pátio, de olhos fechados, imaginando como tudo tinha sido, me prendendo a uma lembrança doce, de um passado cada vez mais distante.
Eu estava no lugar, e o lugar estava em mim, de modo que eu também morria aos poucos.
Até que um dia, numa tarde de verão, veio uma tempestade, e choveu pela primeira vez desde que eu havia chegado ali.
E enquanto eu estava sentado no pátio, sendo molhado pela chuva, eu chorei.
Chorei uma dor sem palavras, uma saudade sem tradução, um verdito irrevogável de solidão.
Mas a chuva passou, e um raio de Sol entrou novamente pelas muralhas, e então eu vi o cenãrio desolado que estava ali.
Levantei de alma limpa, olhei para os céus, como quem busca uma resposta do Criador, e percebi, lá no fundo, que aquele não era o meu lugar.
Peguei os meus tesouros ao lado da fonte, meu cavalo, e parti pelo arco principal. Quando cruzei o arco, vi a desolação do campo de areia, que antes era de um verde tão lindo, mas agora era vazio, como tudo o que o cercava.
Circundei a muralha, até achar uma caminho, para uma encosta atrás do castelo. E percebi que a vegetação era mais densa no topo do monte. Ainda existia vida por alí. Respirei fundo, e cavalguei até lá.
Esses são dias esperançosos. No topo da enconsta, não havia castelo ou fortaleza, mas havia um riacho, de águas cristalinas, tão suaves e revigorantes quanto a que eu encotrei no castelo, talvez a fonte se alimente daqui, não sei.
Conheci muitos bons amigos, e redescobri amigos antigos, que hoje percebo, não conhecia de verdade. Com sua paciência e amizade, eles têm me ajudado a construir minha própria fortaleza. Hoje percebo que aprendi muito sobre mim mesmo e sobre onde devo estar. Sei que tenho que construir um porão, pois nem tudo eu quero manter a vista, mas que não devo deixa-lo lacrado. Se ele acumular coisas por muito tempo, pode acabar contaminado o que nexiste de bom.
As manhãs tem sido muito edificantes. meus amigos sempre conversam comigo, e percebendo minha dor, me abraçam. As vezes me dizem coisas bonitas, as vezes ficam apenas em silêncio com um olhar que diz "estamos aqui", e eu me sinto feliz por te-los comigo. No fim da tarde quando todos os passaros cantam e o cheiro da relva me domina. as folhas das arvorés balançam, cantando uma canção, que novamente não tem palavras, mas que me fala profundamente de um novo tempo, de um recomeço, de um novo encontro.
Então eu sento, olho para o céu, e oro para o Criador, agradecendo por essas pessoas que Ele colocou em minha vida, e através das quais, eu acredito profundamente, Ele fala comigo.
Desde que cheguei aqui, todas as manhãs, eu observo o castelo abaixo, triste e vazio, colho algumas flores e desço até lá. Meus amigos se entreolham, e num silêncio passivo, me respeitam, sabendo que nada sai de ninguém da noite para o dia.
Todos os dias eu chegava, ia até a fonte seca, plantava as flores na terra árida, e fazia uma oração, pedindo pelo retorno da vida naquele lugar. No dia seguinte eu retornava com novas, e retirava as flores do dia anterior, mortas e secas pela aridez do solo.
E hoje eu voltei, para o mesmo ritual, e percebi que as flores que eu plantei, não haviam secado, coloquei minha mão na terra e ela estava húmida.
Sorri, pois a vida estava voltando. Ao invés de pedir em minha oração, eu agradeci.
Subi no meu cavalo, e olhei pela última vez tudo ao meu redor, e me veio um sentimento de nostalgia, dos tempos de vida e alegria. A vida estava retornando, o porão talvez, finalmente, estivesse vazio. Havia esperança
Suspirei e disse "Adeus".
Eu não estava mais naquele lugar, e aquele lugar não estava mais em mim.