quinta-feira, dezembro 28, 2006

Viver é teimosia

“Percebi ainda outra coisa debaixo do sol: os velozes nem sempre vencem a corrida; os fortes nem sempre triunfam na guerra; os sábios nem sempre têm comida; os prudentes sem sempre são ricos; os instruídos nem sempre têm prestígio; pois o tempo e o acaso afetam a todos. Além do mais, ninguém sabe quando virá a sua hora: Assim como os peixes são apanhados numa rede fatal e os pássaros são pegos numa armadilha também os homens são enredados pelos tempos da desgraça que caem inesperadamente sobre eles” (Eclesiastes 9.11-12).
Gosto de Eclesiastes, sobre muitos aspectos é o livro menos "espiritual" da Bíblia. Coloco a palavra entre aspas, por considerar, não o sentido profundo de ser espiritual, mas o sentido por demais místico que essa palavra adquiriu nos últimos séculos, principalmente entre o meio cristão. De certo a afirmação mais "espiritual" (olha só as aspas de novo) de Eclesiastes é que ao morrermos nossos corpos se tornam pó, e nosso espírito volta à Deus, que nos deu.
A espiritualidade de Eclesiastes é mais sutil, pois fala de situações e momentos que todo ser humano vivência ou vivenciára mais adiante na sua jornada.
O texto acima, me fala profundamente, da natureza caótica da vida.
São realmente gritantes as tentativas humanas de controlar o futuro, o curso da vida, tão gritantes que chegam a ser patéticas. A vida se impõe sobre nós, trazendo consigo uma infinidade de variáveis que não podem ser preditas ou controladas, pelo menos não todas.
Sendo assim, acredito que viver, é também sobreviver aos interpéres do acaso, que brotam a cada nova virada, estrada ou encruzilhada que seguimos.
Alguns podem me acusar de herege, não crendo na soberania de Deus, mas é justamente por crer nessa soberania que escrevo esse texto.
Deus não criou um sistema de engrenagens mecânicas perfeitamente sincronizadas, num sistema fechado, o qual Ele poderia controlar, de seu Trono, como um chefe de máquinas controla o funcionamento de seus intrumentos mecânicos, de sua sala.
Não. Deus criou um universo com um grau de liberdade tão profundo, que tornou possíveis os acidentes. Mesmo estando ciente de todas as escolhas que tomamos, boas ou más, Ele ainda assim escolheu a liberdade como dádiva, à uma perfeição mecanicamente projetada. E creio eu, é nisso que consiste a poesia da vida. É como um lençol, que tremula no varal, pela força do vento, mas que ainda permanece lá, numa tentantiva teimosa de vencer a força do vento que insiste em derruba-lo, e com o passar do tempo, a teimosia vai secando o lençol e o deixando mais leve, para bailar sobre o vento, e impedir que o mesmo o derrube
Logo se somos livres, também somos sujeitos a liberdade de tudo o que há no universo. Não vivemos numa redoma, onde estaremos sempre protegidos de tudo e de todos.
Se escolhermos a liberdade, temos que ter persistência para sobrevivermos aos obstáculos que surgem inesperadamente, como diria Eclesiastes. Para sobrevivermos a esse "acaso", aos outros, a vida e até a nós mesmos. Viver é como um lençol teimoso que baila e se deixa "secar" pelas tentativas caóticas de derrubar-nos, ficando a cada dia mais "leves" e com isso aperfeiçoando o nosso balé, e não uma esforço para dominar as chances e possibilidades que surgem.
Logo nesse rio bravo de nossa existência devemos ser teimosos, e remarmos contra a maré para alcançar um porto tão próximo, mas ao mesmo tempo tão distante.


Breve

Mais um ano se passou na minha existência, parece que foi ontem, quando ainda brincava de pipa e bola de gude, no lado da quadra da escola na periferia de Campinas. Quando saímos para roubar manga na chácara do vizinho, ou andarmos de bicicleta à tarde depois da aula, quando contavamos piadas e comíamos milho em volta da fogueira no inverno, à altas horas da noite
Sinto que o tempo passa mais depressa, a cada ano, os momentos são mais rápidos, e quando me dou conta, eles já foram embora.
Vejo meu filhos, como crescem rápido,e a cada dia, sinto que o tempo é menor.
Quando somos crianças tudo custa tanto a passar, é o Natal que demora a chegar, é o aniversário que não vem logo. uma noite dura uma década, e sem experiência não aprendemos a valorizar os pequenos momento que se vão e não se repetem.
Hoje reconheço que o tempo é cruel, quanto mais velho, mais percebo o sabor que a vida tem, mais quero desfruta-lá e aprender a vivê-la, porém parece que menos tempo tenho.
Meu Deus, como pode o tempo passar tão depressa justo agora que conheci a poesia de Fernando Pessoa, a sabedoria de C. S. Lewis e Philip Yancei, a melodia de Betthoven, a profundidade de Zygmunt Bauman e o romantismo de Djavan ?
Como pode tudo correr tão depressa, quando finalmente tenho tempo para meus filhos? Como posso me sentir tão ultrapassado vendo eles conversarem comigo? Eles que até ontem ainda estavam aprendendo a andar mas que com certo espanto, percebo eu, amanhã estarão saindo para namorar, noivar e casar!!!
Não. não meu Deus, não permita que o tempo passe sem que eu perceba. Sem que eu deixe minha marca, sem que eu faça a diferença.
Me ensine a enxergar a beleza nas pequenas coisas, nos momentos com meus amigos, com minha família. Me ensina a viver longe dos bajuladores e dos holofotes. Que o tempo seja meu amigo, e não meu adversário.
Tenho 27 anos, mas me sinto como se tivesse 40.
Tantos medos e tantas preocupações. Me de a vitalidade do menino que ia nadar escondido, que subia no pé de seriguela, e que saía para jogar queimada depois da chuva, a sabedoria que ainda não tenho, mas que o anos me cobram.
Sei que é impossivel parar o tem

terça-feira, dezembro 26, 2006

Como se Deus não existisse

[Ricardo Gondim]

No século passado, Karl Marx e Sigmund Freud representavam duas grandes ameaças contra a religião. Marx afirmava que a igreja serve a interesses ideológicos de controle político e de subjugação econômica. Freud, por sua vez, percebia os mecanismos infantilizantes da religião quando sacerdotes projetam em Deus nosso desejo por um pai perfeito. Para ele, a prática religiosa condena homens e mulheres a viverem como eternas crianças, sempre precisando de intervenções sobrenaturais para enfrentar as agruras da vida.
É preciso dar a mão à palmatória. Os dois leram as instituições religiosas dos seus dias corretamente, principalmente a cristandade. Desde Constantino, o apelo do poder mostrou-se arrasador e irresistível nas igrejas. Infelizmente, os ensinos do Nazareno foram usados para autenticar o expansionismo imperialista e colonialista dos grandes impérios que se auto-proclamaram cristãos. Padres, pastores e bispos se vestiram como a grande prostituta do Apocalipse e se entregaram por qualquer preço. Monarcas beijaram anéis episcopais enquanto obrigavam seus donos a lamberem suas botas. Assim, os mercadejadores do templo precisaram distribuir ópio religioso para poderem fazer vista grossa e abençoar inúmeras carnificinas – dos Tsares russos ao Batista cubano; das aventuras ensandecidas de Isabel espanhola às dos Bush, pai e filho.

A adoração do “Deus provedor” ocidental deu razão a Freud, que denunciava os recintos religiosos como incubadoras de oligofrênicos. O proselitismo missionário foi feito, em grande parte, precisando de uma espiritualidade funcional. Na tentativa de mostrar a superioridade de Jeová sobre as demais divindades, criou-se um fascínio por milagres. “Nosso Deus funciona”, clamaram os evangelistas por séculos. Desse modo, o sobrenatural passou a ser compreendido como uma intervenção legitimadora daquele que é o verdadeiro “dono do pedaço”. Assim, os crentes viciados em milagres se condenaram à freudiana dependência infantil.
Em minha opinião, só seria possível resgatar a mensagem de Jesus Cristo, caso a religião abrisse mão de suas hierarquias institucionais, demitisse elites, democratizasse o acesso a Deus, e esvaziasse os rituais da função de serem técnicas para se obter bênçãos. É importante que repensemos a fé, seguindo o exemplo de Jesus que viveu sem precisar de milagres e morreu sem apelar para os anjos. Iguais a ele, precisamos viver sem os cabrestos da religião e sem as intervenções de Deus.

Concordo com John Hick em “Evil and the God of Love” (New York, Harper & Row; London, Mcmillan, 1966, p. 317)

“Ao criar pessoas finitas para amar e serem amadas por ele, Deus precisa dotá-las com certa autonomia relativa quanto a si mesmo”. Mas como pode uma criatura finita, dependente do Criador infinito quanto à sua própria existência e a cada poder e qualidade do seu ser, possuir qualquer autonomia significativa em relação a esse Criador? A única maneira que podemos imaginar é aquela sugerida pela nossa situação efetiva. Deus precisa colocar o homem à distância de si mesmo, de onde ele então pode vir voluntariamente a Deus. Mas como algo pode ser colocado à distância de alguém que é infinito e onipresente? É óbvio que a distância espacial não significa nada nesse caso. O tipo de distância entre Deus e o homem que criaria certo espaço para certo grau de autonomia humana é a distância epistêmica. Em outras palavras, a realidade e a presença de Deus não devem se impor ao homem de forma coercitiva como o ambiente natural se impõe à atenção deles. O mundo deve ser para os homens, pelo menos até certo ponto, etsi deus non daretur, “como se Deus não existisse”. Ele precisa ser cognoscível, mas apenas por um modo de conhecimento que implique uma resposta livre da parte do homem, consistindo essa resposta em uma atividade interpretativa não-compelida através da qual experimentamos o mundo como realidade que media a presença divina”.


Uma nova igreja precisa se desvincular de seu fascínio pelo poder, qualquer um: político, econômico, militar ou espiritual. Repito, urge que homens e mulheres construam sua humanidade, sendo sal da terra e luz do mundo, sem necessitar de repetidos socorros celestiais.

[Ricardo Gondim]

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Faça valer

Retirado do blog outraespiritualidade.blogspot.com de Ed René Kivitz

Quero que me digam que eu tentei ser direito e caminhar ao lado do próximo.
Quero que vocês possam mencionar o dia em que tentei vestir o mendigo, tentei visitar os que estavam na prisão, tentei amar e servir a humanidade.
Sim , se quiserem dizer algo, digam que eu fui um arauto: um arauto da justiça, um arauto da paz, um arauto do direito.
Todas as outras coisas triviais não têm importância.
Não quero deixar nenhuma fortuna. Eu só quero deixar uma vida de dedicação!
E isto é tudo o que eu tenho a dizer:
Se eu puder ajudar alguém a seguir adiante,
Se eu puder animar alguém com uma canção,
Se eu puder mostrar a alguém o caminho certo,
Se eu puder cumprir o meu dever cristão,
Se eu puder levar a salvação para alguém,
Se eu puder divulgar a mensagem que o Senhor deixou...
...então a minha vida terá valido a pena!

[Martin Luther King Jr.]

Vale de Ossos

O vale de ossos
Acredito que não exista ser humano que nunca se decepcionou. Que nunca firmou esperanças num ponto, acreditando que esse ponto era uma rocha firme, até o momento que o vento soprasse e demontra-se, que a rocha na verdade era só um monte de areia, que com o tempo se esvaiu.
Não é difícil imaginar uma situação assim, basta olhar para as histórias de nossas vidas, e encontraremos capítulos que nos falam de ilusão, de doces momentos que eram doces como o mel enquanto escorriam pela nossa boca, mas que ao tocarem o estômago, se demonstraram amargos como o fel.
Ao contrário do que possam pensar, acreditar em algo, não é fraqueza, é virtude. E mesmo que esse algo mais tarde se revele em alguma coisa que foge de nossas expectativas, não significa que a culpa é sua, ou que foi sua fé que te enganou.
Isso só demonstra que somos humanos, temos sonhos e ambições,e embora vivamos numa época tão "racional" que se recusa a aceitar algo tão incerto e não-planejado quanto a esperança, não significa que nós não vivamos por ela. Pois é por primeiro acreditar, que queremos conhecer, é por primeiro sonhar, que buscamos compreender.
Sendo assim, admito que já me decepcionei, com "verdades" que nem sempre se mostraram verdades, por palavras suaves, mas que no final causaram cicatrizes profundas em mim e em minha alma, mas não é por isso que vou deixar de crer, que vou recusar as benção que já alcancei, e que ainda alcançarei simplesmente pelo fato de acreditar.
O meu, o seu, o nosso futuro é incerto, e a vida é curta. O dia final pode ser hoje, amanhã ou daqui a cinquenta anos. Mas tenho certeza de uma coisa quanto ao futuro, não quero pensar nele olhando para trás, nem quero que minhas decepções se tranformem em fantasmas que assolam minhas perspectivas de futuro.
Mesmo com tantas decepções, também vivi alegrias, mesmo com tantas negações, também recebi aceitação de onde eu menos imaginava, e para cada dia de chuva, sempre houve um dia de Sol.
Penso que às vezes, essas aflições me servem de lição, não para deixar de crer, mas para crer ainda mais, que se esta noite eu choro, como diria Davi, ao amanhecer eu me alegrarei.
Então, já não me preocupo com a maquinações, mentiras e omissões que acontecem longe de minha vista. Aprendi com o Apóstolo Paulo, que não há nada que exista em secreto que não venha a ser revelado. Só peço forças para encarar a verdade quando ela aparecer, e sabedoria para aprender com isso.
Como disse Deus ao profeta Ezequiel, quando esse se encotrava num vale de ossos secos, que representavam sua desolação, por mais árido que possa ser sua vida,e por mais ossos que vc encontre, sempre existirá uma centelha divina dentro de você, para trazer esperança em um novo amanhã, e transformar esse vale de ossos num exército que te ajudará a vencer suas batalhas.

Revolução na Mochila

Semanas atrás recebi um email que sinceramente me comoveu. Falava de Edigar, um missionário que foi para o Timor Leste, no intuito de levar um pouco mais de amor de Deus, atrvés do Evangelho de Cristo para as pessoas, homens e mulheres, daquele pequeno país que sofrem com as mazelas de uma guerra civil impiedosa.
Faço parte do Caminho da Graça em Campinas, e como tal, estou sempre antenado no que acontece pelas Estações do Caminho que nascem pelo Brasil, e graças sincera intervenção de Edigar, estava começando a nascer em Timor Leste.
Quando recebi o e-mail de meu amigo e irmão espiritual, Marcelo Quintela, acerca do que havia acontecido com Edigar, no Timor Leste, fato que pode ser comprovado entrando em www.caiofabio.com, me perguntei quem seria.
Não vou expor os emails enviados por Edigar aqui, pois ocuparia muito espaço, e acredito que nem todos leriam, mas queria deixar algumas palavras sobre Edigar, que não conheci a não ser por e-mails que nem sequer eram endereçados a mim, e que apenas tomei conhecimento após a sua morte.
Como o próprio Marcelo disse, Edigar carregava a doce revolução na mochila. Longe de todos os nossos dogmas e regras, ele aprendeu a conhecer a Deus de uma forma mais íntima. Pelas correspondêcias encontrei um ser humano com suas paixões e medos, mas consciente de sua missão.
Edigar nos mostra que é nos abismo mais profundos de humildade e miséria humana, que ocorrem as maiores manifestações do Reino.
"Eu não quero chegar ao fim da vida, olhar para trás, e concluir que eu trabalhei para Deus, mas não me relacionei com Ele; que não permiti que Ele construísse em minha vida nada que significasse uma intimidade de relacionamento entre nos. " Aurélio Edigard.


Obrigado Edigar, por nos trazer com sua vida, a diferença entre trabalhar para Deus, e ter um relacionamento com Ele.

Me resta agora a esperança de que um dia nos encontraremos de novo.
E utilizando aqui as palavras do Marcelo
"Pai, recebe meu irmão que Te vestiu quando Tu estavas nu; que Te visitou quando Tu estavas preso, e que alimentou teus pequeninos sem temer aqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma que carrega a doce revolução na mochila!"

sexta-feira, novembro 03, 2006

Admito, tenho medo

Hoje acordei pensando no futuro, e sinceramente, tive medo.
Pois hoje me olho no espelho, e não mais me reconheço, não vejo mais o homem de anos atrás, tão cheio de certezas e pilares de verdade, que queria ganhar o mundo com suas palavras.
Creio que em certa medida, me decepcionei. Me decepcionei com os jogos, com a cobiça, com a ansiedade desenfreada, e as palavras impensadas que já proferi, e vi proferirem.
Me decepcionei com o ser humano, principalmente o que há em mim, pois acreditei que poderia ser suficiente, e abracei tarefas que se mostrarão fúteis e sem sentido, perdi muito tempo no que não importava, só para agradar à uma platéia que hoje, reconheço, vive de ilusões, pois a verdade lhes é extremamente amarga, pois suas próprias bocas foram contaminadas com o moralismo, e o fundamentalismo nascidos da alma humana, numa patética tentativa de se elevar frente ao Absoluto.
Gastei muito tempo longe dos meus, atrás de um sucesso que o mundo inteiro ansiava de mim, mas que para mim foi de pouca valia.
Tantas noites em claro, tantas preocupações, tantas tarefas a serem cumpridas, e no fim, percebi que a maioria delas era apenas Vaidade de Vaidades, como dizia Salomão.
Tantas pessoas, tantos nomes, tantas oportunidades, deixadas de lado, pela falta de tempo que eu mesmo criei.
E hoje, estou num turbilhão de confusões e angustias de minha alma, pelo que deixei passar, pelo que não deixei passar, pelos que conheci, e pelos que tento esquecer.
Não nego, tenho medo.
Pois sempre trabalhei com panoramas traçados, esquemas prontos, tudo estritamente planejado. Mas o caminho não é assim.
E olho para frente e o que vejo é uma multidão de possibilidades, mas nenhuma bem definida.
Como um pássaro a borda do ninho, eu ouço uma voz que diz "Pule!!", mas sinceramente, tenho medo.
Tenho medo, de viver pelo vento, indo aonde ele sopra, sem noção do futuro mais próximo, sem planos, apenas indo.
Não, não estou decepcionado com Deus, pois talvez somente agora, nesses momento de duvida e angustia é que eu realmente ouço sua voz me dizendo, "Pule!!!".
Olho para trás e vejo a mim mesmo, e outros, se agarrando ao ninho, gritanto para que eu não faça isso, que existe outro jeito, que é arriscado, que podemos preparar uma estratégia.
E olho para baixo, a altura é imensa, mas a imensidão do horizonte incerto diante de mim, é bem maior.
Sinto a brisa que vem de longe, um vento suave, mas marcante. Minhas angustias e medos me seguram no chão, presos à uma falsa segurança, um castelo de cartas que o vento pode desfazer quando quiser.
Sei que tenho asas, que posso voar, embora o medo as mantenha junto de mim.
E penso, quantos, quantos já não saltaram, e sem dar ouvidos aos seus medos abriram asas e entraram na dimensão desse horizonte infinito, e incerto, e construíram seus caminhos seguindo apenas a voz que me diz "Pule!!!"?
E quantos que saltaram, mas não abriram as suas asas, e até hoje caem para a morte certa?
Paro em frente ao meu ninho, um precípicio está aos meus pés, mas o horizonte está adiante.
Uma última vez, ouço a voz dizer "Pule!!!" antes de me precipitar, para o infinito, onde minhas "certezas" são dissipadas pelo vento que toca meu rosto.

O Poeta

O poeta ao contrario do que muitos dizem, não é aquele que consegue casar rimas em frases de efeito, ou que simplismente identifica uma musicalidade a esmo, nas coisas visíveis e invisíveis.
Não, o poeta é algo mais, que pode viajar profundamente pelos dramas e sonhos humanos e transforma-los numa linguagem propositiva, expressando através de um idioma, de uma cultura, de figuras de linguagem, tudo aquilo que sua alma sente.
Sendo assim, o poeta é antes de tudo um tradutor, que consegue fazer o que parece a princípio ser impossível, transcrever para palavras o que é impronunciavél, tranformar em objetividade escrita, mesmo que essa objetividade seja paradoxalmente composta de subjetividade, tudo aquilo que não pode ser dito, mas sentido.
Logo, o que o poeta propõe, é a descrição do indescritível, a exposição do oculto, a abertura dos porões da alma.
Então fica claro que o poeta também é um aventureiro, pois se arriscou a conhecer mais profundamente a própria alma, e através desse conhecimento, aceitou a tarefa às vezes frustrante, às vezes recompensadora de entender a alma humana.
Sim, pois aí está marcada toda a veracidade e legitimidade do que escreve, pois um poeta só fala daquilo que sente, simples assim.
Mas nem sempre feliz, pois quando alguém se propõe a conhecer a si mesmo com uma dose de profundidade como essa, pode estar mais aberto as coisas pequenas e passageiras, mas que fazem a diferença na vida de muitos, embora nem todos saibam disso, pode estar aberto a encontrar expressões de felicidade onde ninguém mais as vê, no entanto pode também, encontrar o medo e a angústia, o sofrimento e a solidão em frases, gestos ou simplismente no silêncio de quem ama.
Sendo assim, acredito que todo poeta, é também um pouco profeta. Não no sentido premonitivo da palavra, uma vez que os poetas não fazem previsões, ou entregam profecias, mas no sentido de poder enxergar pequenas porções do divino, aqui e ali, e se alegrar com elas, bem como trazer para si a profunda tristeza que a ausência delas traz.
Portanto, o poeta é uma pessoa extrememente passional, embora utilize a métrica de rimas e estrofes.
Ele consegue trazer a harmonia inerente em cada alma humana, para compor pedaços de expressão sobrenatural divina, para os homens que infelizmente perderam essa capacidade. É um porta voz do oculto, daquilo que não se vê, traduzindo em algumas palavras a multidão de sonhos e impressões guardada na alma humana.
Nos mostrando o quanto nos podemos deixar que o paraíso se aproxime, ou o quanto nos podemos construir do inferno... tudo isso, dentro de nós.

sábado, setembro 30, 2006

A Voz de Deus


Texto Base Salmo 19
Há uma voz
Apesar da ansiedade, da vida atarefada, há uma voz.
Que não tem som, que se encontra na beleza de todas as coisas
Na simplicidade que não é notada, na complexidade observada.
Há uma voz
Para aqueles que estão prontos para ouvir.
Recitada no curso da vida, que tem por testemunha o Sol e a Lua.
O mar e as montanhas. Que se extende de uma extremidade a outra da Terra
Há uma voz
Que não possui códigos para que seja transcrita ou decifrada
Para que não seja aprisionada, embora ja tenha sido tentado.
Há uma voz
Uma poesia concreta, saida do coração do Artista, recitada em
versos no decorrer dos dias, nos sonhos da noite, passando sabedoria através do tempo. Há uma voz.
E o tempo que corre grita para almas aflitas, que existe uma voz, que em meio ao desespero pede calma, que na solidão sussurra "estou aqui", mesmo sem nenhum som, há uma voz.
Há uma voz que produz vida.
Mas o que aconteceu?
Ninguém mais ouve a voz.
Marcaram horários, estabeleceram lugares, ergueram templos, mas não ouviram a voz.
Tentaram agenda-la, catequiza-la, doutrina-la.
Mas a liberdade de sua essencia não permite.
Não é uma voz de bibliotecas, insenso, velas...
É uma voz de ondas, praia, chuva e trovão.
Que não pode ser contida, mas que existe dentro do coração.
Que quebra barreiras e constrói pontes entre nós.
Que nos fala de Amor, Perdão e Fé.
Mas que pena. Ninguém quer saber da voz.
Por que ela penetra em lugares do ser desconhecidos, e revela verdades escondidas, mostrando um caminho de crescimento, onde os
defeito deixa de ser tropeço e se torna degrau, onde não há culpa que não possa ser curada, erro que não possa ser corrigido.
E mesmo que poucos ouçam, ela ainda continua aí dentro
Então faça silencio e comece a ouvir...

Vitor

sexta-feira, setembro 08, 2006

Quem não quiser amar


Quem não quiser amar, não dance na chuva.
Não sinta o cheiro da grama molhada.
Não encare alguém nos olhos.
Não beije escondido.
Não aprenda a chorar pelo descaso.
Nem a se alegrar apenas por um sorriso.
Não adoeça na distância, nem se cure na presença.
Não aprenda a perdoar.
Não perca a hora, quando não estiver sozinho...
Não admire um olhar.
Não tenha expectativas, mesmo sabendo que o amor é imprevisivel, quem não quiser amar.
Não admire o por do Sol, nem as coisas mais simples e cotidianas que te fazem lembrar...
Não tome vinho com chocolate,
Não chore baixinho quando for rejeitado.
Não escute uma canção por horas e horas, só porque te lembra alguém.
Não abra seu coração.
Não se arrisque, não conheça ninguém novo, pois entre esses fatalmente encontrará alguém para amar.
Quem não quiser amar, não leia Vinicius de Morais, Camões ou Fernando Pessoa.
Não escreva poesia, não olhe para quadros, não faça rimas quem não quiser amar.
Não cometa loucuras por alguém, nem "chute o balde" pelo que sente.
Quem não quiser amar, tranque seus sentimentos num esquife chamado coração, e enterre no fundo de sua alma.
Assim não será importunado, não terá sua paciência testada nem sua misericórdia requerida.
Quem não quiser amar não busque em ninguém um caminho para se encontrar.
Permaneça intacto, imóvel e inerte, quem não quiser amar.
E saiba que mesmo que você não sofra, também não aprenderá, que as boas coisas da vida não são para aqueles que não se arriscam a amar.
Vitor

Os Porões da Alma


É muito comum ver a fachada da casa, ela está exposta para todos que passarem na rua. Conhecer o interior já requer um convite do proprietário, e mesmo assim geralmente não se passa da sala. Agora o porão, é um lugar muito reservado, que vive fechado, por conter apenas coisas foras de uso, velhas, ou pouco agrádaveis...
Encher um porão não é díficil, leva um pouco de tempo, e às vezes
é um ato que passa despercebido.
As vezes criamos porões dentro de nós, e enchemos de tudo que queremos esquecer, no príncipio pode paracer até viável, mas com o tempo o porão cresce, e vai tomando mais espaço dentro da alma.
Encher o porão da alma é fácil, basta tentar ignorar seus problemas e as consequencias que eles trazem, esvaziar é que é difícil. Então se torna necessário abrir as portas dos porões e pedir ajuda. Quando alguém entra no porão de uma casa que não é sua, e começa a procurar entre todas as coisas pode encontrar algo que desperte seu carinho e interesse, que mereça sua atenção, mesmo que estivesse sendo guardado a muito tempo. Sabem pq? pq todos temos uma empatia muito grande uns com os outros, quando percebemos isso, vemos que nossos "porões" podem ser parecidos, e podemos mostrar seu conteúdo, pois sentimos as mesmas coisas, mesmo que as situações sejam diferentes.
Assim, é bom ser prudente, não abrindo a porta para todos, mas deixar ela sempre fechada pode gerar coisas muito indesejáveis, uma vez que os poroes só estão escondidos, mas não deixaram de existir, com o tempo a casa pode se tornar apenas porão, e tudo o que resta é a aparencia externa, que pode ser bonita, mas que por dentro ninguém conhece... Somos seres que precisam de relacionamento, pois quando nos relacionamos é que descobrimos quem realmente somos.
E quando nos damos conta disso, descobrimos novos sentimentos e sensações que nem sempre precisam ser racionalizados, mas vem do impulso do momento, da impressão. Então percebemos que isso nos torna pessoas, gente que sofre, chora, grita, mas que também sorri, se alegra. E é partir dessa compreensão de quem vc realmente é, de como se sente, e do porque de guardar algo em seu porão, que voce pode escolher abolir ou reaproveitar o que existe ali. E às vezes aquilo que acreditávamos ser inútil, ou pedra de tropeço, conseguimos usar como degrau.
Logo, não banquemos o mito inatingível e sem falhas, mas procuremos alguém para confiar, amar, e abrir os porões da alma. Só quando encontramos esse alguém, é que encontramos um modo de crescer e um "porque" de crescer. Aprendemos que é a partir daqueles que amamos, que podemos fazer o ímpossível acontecer.
Então comecemos uma nova etapa, abrindo os porões, e ouvindo a voz de Deus dentro de nós, que muitas vezes estava abafada por tanto entulho.
Assim podemos abrir as portas e deixar a Luz do Sol entrar, revelando uma multidão de cores, que muitas vezes eram desconhecidas por nós mesmos...
Vitor

A acusação dos demônios e o julgamento humano


No Sermão do Segundo Domingo do Advento, Vieira afirmou que antes quisera ver-se acusado do demônio do que julgado de homens: "Porque os demônios apenas acusam as obras e palavras, ao passo que o homem julga e condena até os mais íntimos pensamentos, muito embora os não possa conhecer. No juízo de Deus as nossas obras defendem-nos, no juízo dos homens o maior inimigo que temos são as nossas boas obras. Não há maior delito no mundo do que o ser melhor. Um grande delito mais vezes achou piedade; um grande merecimento nunca lhe faltou a inveja. No juízo de Deus perdoam-se os pecados como fraquezas; no juízo dos homens castigam-se as valentias como pecados. Deus vos livre de vossas obras, e muito mais das grandes, pois muito mais seguro é ir com pecados ao juízo de Deus, que com milagres ao juízo dos homens! Em Deus há misericórdia, na inveja não há perdão." Pe Antonio Vieira.