quinta-feira, dezembro 28, 2006

Viver é teimosia

“Percebi ainda outra coisa debaixo do sol: os velozes nem sempre vencem a corrida; os fortes nem sempre triunfam na guerra; os sábios nem sempre têm comida; os prudentes sem sempre são ricos; os instruídos nem sempre têm prestígio; pois o tempo e o acaso afetam a todos. Além do mais, ninguém sabe quando virá a sua hora: Assim como os peixes são apanhados numa rede fatal e os pássaros são pegos numa armadilha também os homens são enredados pelos tempos da desgraça que caem inesperadamente sobre eles” (Eclesiastes 9.11-12).
Gosto de Eclesiastes, sobre muitos aspectos é o livro menos "espiritual" da Bíblia. Coloco a palavra entre aspas, por considerar, não o sentido profundo de ser espiritual, mas o sentido por demais místico que essa palavra adquiriu nos últimos séculos, principalmente entre o meio cristão. De certo a afirmação mais "espiritual" (olha só as aspas de novo) de Eclesiastes é que ao morrermos nossos corpos se tornam pó, e nosso espírito volta à Deus, que nos deu.
A espiritualidade de Eclesiastes é mais sutil, pois fala de situações e momentos que todo ser humano vivência ou vivenciára mais adiante na sua jornada.
O texto acima, me fala profundamente, da natureza caótica da vida.
São realmente gritantes as tentativas humanas de controlar o futuro, o curso da vida, tão gritantes que chegam a ser patéticas. A vida se impõe sobre nós, trazendo consigo uma infinidade de variáveis que não podem ser preditas ou controladas, pelo menos não todas.
Sendo assim, acredito que viver, é também sobreviver aos interpéres do acaso, que brotam a cada nova virada, estrada ou encruzilhada que seguimos.
Alguns podem me acusar de herege, não crendo na soberania de Deus, mas é justamente por crer nessa soberania que escrevo esse texto.
Deus não criou um sistema de engrenagens mecânicas perfeitamente sincronizadas, num sistema fechado, o qual Ele poderia controlar, de seu Trono, como um chefe de máquinas controla o funcionamento de seus intrumentos mecânicos, de sua sala.
Não. Deus criou um universo com um grau de liberdade tão profundo, que tornou possíveis os acidentes. Mesmo estando ciente de todas as escolhas que tomamos, boas ou más, Ele ainda assim escolheu a liberdade como dádiva, à uma perfeição mecanicamente projetada. E creio eu, é nisso que consiste a poesia da vida. É como um lençol, que tremula no varal, pela força do vento, mas que ainda permanece lá, numa tentantiva teimosa de vencer a força do vento que insiste em derruba-lo, e com o passar do tempo, a teimosia vai secando o lençol e o deixando mais leve, para bailar sobre o vento, e impedir que o mesmo o derrube
Logo se somos livres, também somos sujeitos a liberdade de tudo o que há no universo. Não vivemos numa redoma, onde estaremos sempre protegidos de tudo e de todos.
Se escolhermos a liberdade, temos que ter persistência para sobrevivermos aos obstáculos que surgem inesperadamente, como diria Eclesiastes. Para sobrevivermos a esse "acaso", aos outros, a vida e até a nós mesmos. Viver é como um lençol teimoso que baila e se deixa "secar" pelas tentativas caóticas de derrubar-nos, ficando a cada dia mais "leves" e com isso aperfeiçoando o nosso balé, e não uma esforço para dominar as chances e possibilidades que surgem.
Logo nesse rio bravo de nossa existência devemos ser teimosos, e remarmos contra a maré para alcançar um porto tão próximo, mas ao mesmo tempo tão distante.


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